terça-feira, 1 de abril de 2014

Um Títere e Suas Cordas



É muito fácil atacar sem restrições um Regime que torturou e matou. Difícil é entender seu contexto e suas alternativas históricas. Para esse e qualquer outro debate sério, não está apto quem discute inflamada e apaixonadamente sobre um assunto sem usar de logicidade e congruência. Esse é um dos temas da nossa história que mais promove discursos exaltados e uníssonos sobre o Mal da Ditadura, e como um pequeno e sórdido grupo de homens pequenos mas poderosos arruinaram o país.

Não, não é assim. Difícil mesmo é analisar o sistema com o olhar analítico necessário e fazer os apontamentos precisos.

Apontar por exemplo que uma parte expressiva da população era a favor da intervenção militar na época. Foram a favor DESSAS reformas implantadas por Castelo Branco.

Nesse momento, num contexto de Guerra Fria, onde o país se encontrava em cima do muro entre o imperialismo dos EUA e o imperialismo da URSS, onde o mundo corria o risco de uma guerra nuclear, e o medo era palpável, os militares representaram os anseios de uma parte da população que rejeitava o comunismo. Essa foi a parte que venceu. Poderia ter sido diferente, como o foi em outros países.

A ditadura nessa época era mais branda. Não sei o quanto mais branda. Não sei se houve mais prisões, menos torturas. Não sei. Só sei que a mesma população que aplaudiu o 1° de Abril de 1964 foi a mesma que lamentou o AI-5 de 1968.

Como toda e qualquer revolução/golpe/algo próximo, depois de um tempo, os moderados se veem encurralados pela ala mais radical, sempre mais disposta, fanática e pronta para acusar os moderados de súbita covardia. Isso aconteceu na revolução inglesa, francesa, russa, na primavera árabe. e em quase toda grande ruptura de um modelo.

A própria morte de Castelo Branco, (4 meses, depois numa colisão entre aeronaves? pff) soa um pouco como teoria da conspiração. Queima de arquivo? Disputas internas? Vai saber.

Tudo o que eu disse acima foi escrito sem colocar meu julgamento pessoal. Tentei ser mais analítico e distante. Aqui vai a minha parte que, pisando em ovos por ser um assunto muito delicado, tentarei escrever com o intuito de tentar mitigar a demonização da Ditadura, a qual sabemos que foi um período negro no país, mas que achamos, por algum motivo, que foi o triunfo supremo e absoluto do mal, no qual os pobres heróis nacionais foram perseguidos, amordaçados, presos, torturados e mortos por pessoas que praticavam o mal por serem pessoas más. Tanto a polícia, quanto o exército, quanto os oficiais, eram pessoas genuinamente malévolas. Essa é a ideia que temos, e que é comum de se ver propagada.

Tento aqui, analogamente à Hannah Arendt, judia, quando dissecou o holocausto, explicar em parte porquê aconteceu isso, os responsáveis, e como devemos fazer para evitarmos no futuro.

- Primeiro, quanto ao VÍDEO.

Por mais emocionante que seja a música, o confronto, um grupo de jovens coesos unidos militando por uma causa justa, acho importantíssimo analisar com frias lentes o que se passa.
O Professor deve ter tido algum motivo para apoiar o regime, não? Era ele um manipulado? Um idiota? Um imbecil, um cruel, um bruto? Não sei, não deu pra descobrir, não pude ouvi-lo. Nunca saberemos. Essa é outra forma de censura. O grito. O alto-falante. Só pude ouvir que os regimes comunistas eram sanguinários (correto) e que ele foi à favor do golpe. O porquê eu não pude ouvir. Grato, estudantes da USP. Se ele tivesse errado, vcs teriam ainda mais solo para se legitimar.

- Os apoiadores do regime o apoiaram do começo ao fim?
Não. Quanto mais tempo se passou, mais o regime ficou impopular e ilegítimo. Apenas as alas mais conservadoras o defenderam até o fim.

- O golpe foi fruto da política externa americana?
Não. Claro que o golpe foi apoiado, ideológica e politicamente, mas não precisou de interferência externa americana. Havia barcos americanos na costa brasileira? Sim, "Desarmados, à 4 dias de viagem para evacuar cidadãos americanos no Rio de Janeiro caso estourasse uma guerra civil como se esperava na época", de acordo com o embaixador americano na época Lincoln Gordon. Nenhuma gota de sangue foi derramada naquele momento. Esteve próxima de acontecer algumas vezes.

Havia interferência e interesse tanto dos EUA quanto da URSS, mas por questões geográficas inclusive, os EUA se deram melhor. Ainda bem.

- Os socialistas, a esquerda, os comunistas enfim, lutavam pela reforma democrática do país?
Alguns sim, claro. Mas a faceta mais radical, ligada politicamente à Moscou, a que pegou em armas, sequestrou pessoas, etc... Essas pessoas não lutavam pela democracia. Lutaram, primeiramente, para sobreviver, pois o PCB foi fechado entre outros partidos, e todo agrupamento, ideia, ação ligada (ou que se pensava ligada) ao comunismo foi perseguido.

Mas quero aqui ressaltar que no momento pré-golpe, forças da foice e do martelo estavam se articulando e pensando num golpe. Armado, sim. Ligas camponesas, sindicatos, etc. Porque haveria de ser muito diferente do que houve em outros países?

- Quanto ao pensamento comunista

A desigualdade naquela época era gritante, os trabalhadores não tinham direitos, e a saída que as pessoas naquela época viam era a revolução do proletário. Erraram. Tsc. tsc. tsc. Erraram feio. Esse erro cognitivo causou a morte de inúmeras pessoas e foi grande responsável pelo clima de terror e perseguição na época. Hoje sabemos o que aconteceu nos regimes comunistas. Não se deve julgar o pensamento daquela época pelas lentes de hoje. Mas me permito fazer isso porque muita gente ainda concorda com essas ideias. Múmias ideológicas que assombram a nossa capacidade cognitiva surgem do nada, fazendo a egípcia e com o rosto de perfil pra esquerda, pintadas nas pirâmides da desigualdade intrínsecas ao homem.

"Mimimimi o comunismo perfeito e infalível que habita minha cabeça nunca aconteceu realmente."

E adivinha? Nunca vai acontecer. Ele é uma fábula. E uma fábula cruel, podre da raiz, fétido em seu código moral, e desvirtua e corrompe a luta das pessoas simples por uma vida melhor transformando em morte, fome, miséria, prisão e escravidão o que antes era a busca por dignidade, com o estandarte da moral máxima da igualdade idílica. Desculpe desapontá-los, as pessoas não são iguais nem merecem as mesmas coisas. Não existe nenhum títere no céu, ou passível de ser substituído pelo Estado-mãe, que possa cortar, montar, modelar e repintar as marionetes que são os indivíduos. Se tentarem fazer isso, os fios se partem irremediavelmente. E tudo deságua no mais absoluto caos, como a história nos mostra repetidas e inúmeras vezes.

A vida de cada homem depende apenas dele, e somente dele, para guia-la e buscar sua própria felicidade. Ao Estado, cabe apenas garantir uma dignidade mínima e a segurança necessária para a luta diária do homem, pois Homo homini Lupus. Estamos aqui, vivos, não estamos? Até onde eu sei, não correm rios de leite e mel na terra, nem caem empadas e pastéis do céu. Ou seja, o trabalho é necessário para manter a vida. De que modo ele vai ser feito e seus frutos repartidos é um momento de uma outra discussão. Adianto que não acredito que o Estado saiba a maneira ideal de se repartir seus espólios.

- Qual era o objetivo do governo militar? Fazer o mal porque o sadismo reina?

A menos que eu tenha deixado passar em branco a matéria sobre o pacto N° 54 à Meneghell, eu acho que como tudo no mundo, os idiotas munidos de boas intenções e fervor no que acreditam são capazes de cometer qualquer atrocidade. Obedecer uma ordem de tortura, expedi-la, ou fuzilar mulheres e crianças num paredão. Opa, isso não aconteceu aqui. Foi em outro lugar onde os comunistas foram vitoriosos.

Como Arendt disse sobre os oficiais nazistas, eles não eram conscientemente culpados, eles obedeciam o regime legal vigente e eram operários burocratas que desempenhavam suas funções da maneira imparcial. Acredito que da mesma forma foi aqui no país. Tirando os requintes de crueldade nas torturas, óbvio.

Ordens eram expedidas, ordens eram obedecidas. Ou você era a vítima.
Quero aqui ressaltar que o mesmo aconteceu nos regimes comunistas mundo afora. E em outros que não eram comunistas.

Mas queria lembrar que não foi o momento mais negro da nossa história, talvez por ser mais próxima. As pessoas às vezes esquecem isso e aplicam uma lupa sobre o mal causado naquela época. Não preciso citar outros momentos, qualquer conhecimento básico de história responde essa pergunta. Lembrar é resistir. Lembrar inclusive do que aconteceu antes.

- Conclusão?

Quero, portanto, ressaltar que quando qualquer Governo, o monopólio da força, é utilizado, mesmo que com o melhor dos intuitos originais, garantir interesses de um grupo, para cercear a liberdade de pensamento, de produção e de consumo; passando por cima de um Estado democrático de Direito legítimo. Quando o governo é usado dessa forma, sangue, escravização, prisões e mortes serão os resultados inescapáveis dessas ações.

A força, a violência, quando não usada para a defesa legítima e justa, será sempre maléfica, irremediavelmente corrupta e prejudicial. A violência é o contrário da Vida e da Razão.

E assim será sempre na história, enquanto um homem tentar escravizar outro, por meio da força.
O Estado, as Nações, são as potenciações máximas dessa situação, por isso os desastres se dão em grande escala.

- Como aprender com a História e não repetirmos os mesmos erros?

É necessário primeiramente entender que politicamente apenas o conjunto de ações dos indivíduos arranjadas em prol de um objetivo são capazes de atingi-lo. É importante entender que a ignorância é o combustível dos atos desastrosos no mundo. Como diz um certo Sidarta: "não há uma luta entre o bem e o mal, mas sim um embate entre a sabedoria e a ignorância."

Por isso explicito aqui qual o nosso escudo perante o mal, a intolerância, a brutalidade no mundo. É a Razão. A luz da razão. É o estudo, a educação,  a reflexão, a Filosofia. Nessa ordem. Um povo ignorante, burro, é um povo fraco, manipulado, escravizado. A partir do funcionamento correto de nossas capacidades mentais, procurar o bem e encontrar as melhores atitudes à serem tomadas a fim de se produzir a maior quantidade de benefício. Seremos então aptos à defender nossos direitos e garantir o progresso e o crescimento.

Para garantir que isso não se repita, é necessário um esforço colossal para incitar a vibração do pensamento humano em inúmeras escalas, íntima, pessoal, da comunidade, e institucional, no qual a Escola e seguidamente a Academia, promovam a reflexão.

Por isso a importância da Filosofia, cada vez mais desprezada hoje. Ela é o instrumento, origem de todos os outros, sendo meio e não fim para atingirmos nossos objetivos. E qual poderia ser senão a felicidade?