sábado, 28 de maio de 2016



A Oliveira Prismática Quando o Arcanjo Rafael soprou meu nome, me deu vida e existência. Uma sátira de realidade. Eu era inestimável, me foi dito! Eterno e intangível. Um valor distante da existência, um capricho metafísico. Não havia raiz por onde descer até chegar ao âmago da minha axiologia. Era só breu, seiva e terra. Uma vida timida e solene que se impunha, reticente, sozinha, em organicismo por entre a terra e as trevas até a luz. Não havia caminho até minha essência - eu era espectro solto no ar, uma Sirene-Ariel a flutuar sobre o que existe de fato, pois não me era alcançável tocar a minha epistemologia. Eu era uma planta anestesiada com sonhos aéreos. Todas as águias de dia, e as corujas de noite, me diziam que não havia tal coisa como a matéria, que era uma ilusão. Éramos apenas espirito, todos marionetes da promessa de transcendência vagando por lunicênios, ocasos, nuvens, púrpuras e ionosferas. Até que eu ouvi uma voz. A primeira vez que ouvi prosa ao invés de poesia. A poesia de antes era bela mas inócua, acalentava mas não supria. Eu ouvi então a voz de uma Montanha eurasiana, que dividia estepes geladas em oriente e ocidente, fendia a terra até alcançar seu ventre, na matéria mais obscura e inominável. Uma raiz de pedra que atravessou as eras e encontrou a resposta, e encontrou a luz. E depois me ensinou-a. Me ensinou tanto sobre as pedras que pesaram sobre meus sonhos aéreos e eu caí. Eu desci até o centro da terra, percorrendo o caminho inverso de sua raiz pétrea, até o útero de lava maternal, e me foi dada a dádiva de reconhecer minha existência, e eu em êxtase rasguei minha terra macia, e espremi seu conteúdo massento com as mãos, como se fosse um unguento primordial de pedra pome, ouro e safiras. E eu pude enfim ser, e experimentar a real existência como uma criança que brinca com texturas e tessituras. Ela me disse: "Reconheço que és inestimável, pois não há balança ou pecúnia que qualifique sua existência. Mas não por seres brisa, mas justamente por seres Pedra. Antônio, tu és filho da terra e das estrelas, por isso também se chamas Pedro. Tua existência não se limita ao sublime, pois és ontológico, não só onírico, e tu podes se deitar na grama e relva, e se cobrir com flores. Tu és enfim uma Pedra de valor Inestimável, Pedro Antônio. Filho dos anjos semíticos, Rafael. Nascido no monte das Oliveiras, onde se deu fim o falso Filho de um falso Deus, onde um beijo valia 30 moedas de prata ou mais. Terras de cemitério frutificam mais. Pedro Antônio Rafael das Oliveiras. Teu corte irá lapidar vontades, tuas raízes lhe darão sustentação, teu azeite iluminará o mundo num candeeiro. E podes brotar aqui no meu terreiro, brotando dos meus alpendres rochosos, tropical e mediterrâneo, latino e agreste, vencendo o inverno das estepes pela teimosia das algarobas e pela força da seiva em tuas veias. Seja fogo primordial, pedra elementar, terra onipresente, raiz profunda com flores prismáticas, vento que sussurra palavras de sacramento, luz sesciente e irmã das estrelas. Se transmute em uma Nova Constelação.

Conta dos Orixás

Conta dos Orixás Haverá um tempo de arrependermo-nos Do tempo perdido, Do beijo não dado, O desenho mal traçado, A conversa meia boca, O tampar da rolha, O acender do fósforo, O medo do escuro, Do desconhecido, Do mundo. Aquele toque recolhido, A palavra não dita, O medo do que viria - Ramificações de solidão. O tempo Passeia por nós, Perpassa os temores, Sussurra sonhos perdidos, Aflições onipotentes, Saudades. Eu e você, Querido amigo, Somos o quê? O que mais além de anos nos separam? O magnético que nos une, Íons de capricho. Tens fome de vida. Eu sou a vida. Tenho fome de ti. O que tu és? Quero teu corpo e tua essência, Quero violar teu conteúdo sagrado, Imiscuir minha essência na tua. Meu mundo velho No teu novo, Ranger de ferros E sofrer a felicidade. Nesta conta de Orixás, Quero me perder em ti. Mas o equilíbrio de tudo Nos afasta. Estamos, no carro, Juntos, Condenados à distância.