segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Dialética dos Metais



Me disseram:
"Seja mais pragmático. Ideais não botam comida no prato."
Certo você.

Por isso mesmo se trabalha,
Até porque o escambo do suor permite o frio barato do ar-condicionado.

Por isso eu quero comprar,
Pois Eu não estou à venda,
Minhas ideias não foram feitas para serem anuladas,
Dobradas pela força-ventania da vida,
Meu destino serve pra outra coisa.
Serve para se impor apesar de.

"A realidade se impõe como um martelo",
Ainda bem, não esperava outra coisa.
Pois sou feito do aço mais antigo,
Vim da terra, rasgando-a pelas eras,
Forjado na pressão e no calor,
Caminhando para o sol,
Separado de minhas impurezas originais.
Sou anvil-fortaleza.

Sou Bi-Gorna, esperando pela opressão do mundo.
O que faço é afiar outras lâminas que passam por mim,
Em brasa, pela dialética metálica,
Filtrando a pureza do ferro bruto, obscuro,
Para no fim brilharem na noite as fagulhas do que é certo,
E por um instante iluminar o mundo.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014





Peguei!
A estrada. Pela primeira vez, sozinho. Isso é ficar velho. Guiava o volante a 160km/h. Banal, eu sei. Mas se houvesse qualquer deslize, qualquer desatenção, poderia ser o meu fim e o de outros. A morte sempre está perto do fim do velocímetro.

Vim, apaixonado, claro. O dia estava lindo. O sol batendo no asfalto, nos lagos e baixios, e o horizonte era pintado por mata atlântica e as colinas sem cana se espalhavam pela vista. Era até fácil e gostoso observar a gradação do litoral ao agreste. Os vários tons do pincel da seca no pasto. A música também não deixava a desejar. Cd´s antigos de meus pais, cada um com uma matiz diferente de memória.

Um amigo me ligou chorando dizendo que sonhou com minha morte, o corpo perdido na BR por 2 dias, e a sua angústia de não ter atendido meu funeral. Não sabia se era sonho ou realidade quando acordou. Bem, só me sobram duas coisas a dizer:

- Que posso fazer? Sou pontual até pra morrer e ser enterrado.
- Ninguém realmente sabe se está sonhando ou se está acordado. Deal with it.

E por mais bonitinho que tenha sido saber que alguém sentiria minha falta assim, o agouro me deixou inquieto. Viajei todo fatalista e saudoso da própria vida. Me despedindo do meu amor e da minha mãe, numa gravação residual de vida, na martelada do fogo, da gasolina e das ferragens que me perfuravam os orgãos. Ai, meu rim esquerdo. Hum, que gosto de ferrugem. Eita, outro redutor. Freia, buceta.

Enfim, venci a morte. Pelo menos por hoje. Pelo menos enquanto escrevo isso. Mas tudo isso vale a pena demais. Só pra sentir de novo o calor Dele. A gente não serve pra morrer. A gente serve para transformar fotossíntese e glicose em afeto. A gente serve para amar, e ama para servir.


















Novas Azuis




Procuro alcançar a elegância das estrelas,
Lançando luz no tecido noturno,
Entalhando feixes de milênio,
Percorrendo o caminho do infinito,
Que esbarra na retina em um grito.

Procuro alcançar a altura das estrelas,
Fazendo o caminho inverso do firmamento,
Tocando o chão com as mãos,
Achando galáxias no cimento.

Procuro enfim emitir suas luzes,
Espectros infinitos de belezas crômicas,
Nuvens de carmim, poeira cósmica e som,
Novas azuis com novos tons.

Eu sou filho das estrelas,
De suas incongruências íntimas,
Da sua incapacidade de ser infinita,
Eu sou a incoerência de se fazer apenas lume sem sombra.
Eu sou o amor da cabeça aos pés.
Engraçado como as coisas mudam. Eu nunca começaria uma com uma frase de efeito e tão clichê. Mas as coisas mudam. Tudo tem fluxo. Nós fomos feito dois rios que se cruzaram, misturaram seus fluidos e afluentes e por fim tomamos caminhos diferentes de novo. A solidão será nossa última foz. Tuas águas estão em mim. Teus fragmentos ainda refratam e rasgam dentro de mim. Espero que os meus o façam em ti também. Questão de equidade e vendeta. Minhas águas eram claras e cristalinas, pragmáticas. A linguagem era solta e germânica. Corriam retas, sem muitas curvas, devagar e sempre. Mentira, eram águas caudalosas e cálidas. A serenidade te pertencia. Eu nunca abri muito espaço para ambiguidades. Mas sempre houve espaço para flores e caramanchões na beira do meu rio. Meus desejos e intenções eram desvelados, quase palpáveis de tão verdadeiro quando consubstanciados no ar pela fala. Eu queria você. Queria misturar minhas águas nas tuas até o fim, até nos salinizar no pranto de nossas conquistas em Delta. E queria te cristalinizar. Achei que era algo como uma missão. Devaneios satúrnicos. As tuas eram quase negras, mas eram mais obscuras. Eram ciganas, oblíquas. Dissimuladas. Tu eras um rio tortuoso. Com mais segredos escondidos sob as tuas águas que o São Francisco. O teu rio era feminino, lunar. Eu era tão solar que não vi teu brilho delicado. Enquanto o meu explodia de beleza no Alvorecer alvoroçado, o teu, paciente, escondia a beleza do mundo por debaixo das pétalas da Lua. Cada camada de luz aberta revelava um encantamento novo. Me ensinasse o significado da Serenidade. Eu a aprendi nas noites de glória em que dividi tua alcova. Eu, tão dominador, tinha sido completamente catequizado pelo teu paganismo ateu. A verdade é que éramos veredas. E o que nos alimenta ainda é apenas o leito rochoso de minhas memórias. Poderiamos ter matado a sede do mundo, da civilização ocidental ou da América do sul. Fertilizado os campos com nossas águas. Mas secamos antes. Exatamente por isso. Pra você, civilização ocidental é uma invenção, e acha que os beduínos são civilizados e os parisienses não. Água, pra você não merece ser gasta nas plantações de soja. Apenas permacultura orgânica indígena quilombola. Você falou em Fa bemol eu respondi em Mi sustenido. Eu fui aristotélico, você negou minha dialética atraves de Frunkfurt. Pra você, Platão não é filósofo, mas Judith Butler sim. Você não sabe quem é Ayn Rand, Milton Friedman, nem.Hermann Hesse. Eu não sei nem quem você lê, pois você não me fala. Eu acredito no mercado, você acredita no novo amorfo. Eu gritei - justiça, felicidade, progresso Você gritou - não me representa. Como viver e construir uma vida quando não falamos a mesma língua, quando não compartilhamos nenhum valor, quando a única coisa que nos aproxima é um capricho da natureza de nos amarmos? Você foi minha mais amarga liberdade, e eu fui tua mais doce prisão. Já que a vida nos separou em Veredas, deixa eu ser pelo menos o teu passarinho que te visita quando a saudade aperta. Quero ser teu Manoelzinho-da-croa. E eu vou cantar para ti, já que o canto dos pássaros não possuem fronteiras. A gente vai se entender pela beleza.

Biombo





A língua que os deuses falam é a própria beleza. Sem o encantamento que nos impacta são absolutamente incomunicáveis. Nem seus atos se substanciam, pois há um véu que separa nossas existências. É a beleza, bordada em mandala oriental no tecido da existência, que se pode entrever por esse biombo.


A Dor de Se Fazer Mulher





Não, não venha não me dizer o que é o amor,
Só você que sente a dor de se fazer mulher,
A mão, o cio o fio, a terra encosta na primavera.
Os uivos da solidão não encostam não,
Eu te encontrei.

Me diz quem é você, tanto poder num olhar,
Me diz, irmão, irmã, tenra manhã para se ver brotar,
Em flor, em cor, em dor, se não é o amor é temor.

Sei que eu não sei,
Teu destino é raro,
O meu é fardo te ver passar.

Aurora desponta agora,
E me retorna o olhar,
Te cuido, solto no escuro,
Rompo meus muros para te consagrar.

Eu sou teu, teu olho é meu,
Na escuridão, brilha o que não se pode negar.

Me diz quem é você, tanto poder num olhar.
Me diz, irmão, irmã, tenra manhã para se ver brotar,
Em flor, em cor, em dor, se não é o amor,
É temor-de-ficar.