quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Engraçado como as coisas mudam. Eu nunca começaria uma com uma frase de efeito e tão clichê. Mas as coisas mudam. Tudo tem fluxo. Nós fomos feito dois rios que se cruzaram, misturaram seus fluidos e afluentes e por fim tomamos caminhos diferentes de novo. A solidão será nossa última foz. Tuas águas estão em mim. Teus fragmentos ainda refratam e rasgam dentro de mim. Espero que os meus o façam em ti também. Questão de equidade e vendeta. Minhas águas eram claras e cristalinas, pragmáticas. A linguagem era solta e germânica. Corriam retas, sem muitas curvas, devagar e sempre. Mentira, eram águas caudalosas e cálidas. A serenidade te pertencia. Eu nunca abri muito espaço para ambiguidades. Mas sempre houve espaço para flores e caramanchões na beira do meu rio. Meus desejos e intenções eram desvelados, quase palpáveis de tão verdadeiro quando consubstanciados no ar pela fala. Eu queria você. Queria misturar minhas águas nas tuas até o fim, até nos salinizar no pranto de nossas conquistas em Delta. E queria te cristalinizar. Achei que era algo como uma missão. Devaneios satúrnicos. As tuas eram quase negras, mas eram mais obscuras. Eram ciganas, oblíquas. Dissimuladas. Tu eras um rio tortuoso. Com mais segredos escondidos sob as tuas águas que o São Francisco. O teu rio era feminino, lunar. Eu era tão solar que não vi teu brilho delicado. Enquanto o meu explodia de beleza no Alvorecer alvoroçado, o teu, paciente, escondia a beleza do mundo por debaixo das pétalas da Lua. Cada camada de luz aberta revelava um encantamento novo. Me ensinasse o significado da Serenidade. Eu a aprendi nas noites de glória em que dividi tua alcova. Eu, tão dominador, tinha sido completamente catequizado pelo teu paganismo ateu. A verdade é que éramos veredas. E o que nos alimenta ainda é apenas o leito rochoso de minhas memórias. Poderiamos ter matado a sede do mundo, da civilização ocidental ou da América do sul. Fertilizado os campos com nossas águas. Mas secamos antes. Exatamente por isso. Pra você, civilização ocidental é uma invenção, e acha que os beduínos são civilizados e os parisienses não. Água, pra você não merece ser gasta nas plantações de soja. Apenas permacultura orgânica indígena quilombola. Você falou em Fa bemol eu respondi em Mi sustenido. Eu fui aristotélico, você negou minha dialética atraves de Frunkfurt. Pra você, Platão não é filósofo, mas Judith Butler sim. Você não sabe quem é Ayn Rand, Milton Friedman, nem.Hermann Hesse. Eu não sei nem quem você lê, pois você não me fala. Eu acredito no mercado, você acredita no novo amorfo. Eu gritei - justiça, felicidade, progresso Você gritou - não me representa. Como viver e construir uma vida quando não falamos a mesma língua, quando não compartilhamos nenhum valor, quando a única coisa que nos aproxima é um capricho da natureza de nos amarmos? Você foi minha mais amarga liberdade, e eu fui tua mais doce prisão. Já que a vida nos separou em Veredas, deixa eu ser pelo menos o teu passarinho que te visita quando a saudade aperta. Quero ser teu Manoelzinho-da-croa. E eu vou cantar para ti, já que o canto dos pássaros não possuem fronteiras. A gente vai se entender pela beleza.

Um comentário:

  1. Lindo!!!! Achei envolvente! Trazendo uma poesia muito elaborada, erótica e brasileira!!!

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