domingo, 31 de março de 2013

Haikiri Nostálgico



Nostalgia. A nostalgia que sinto é absoluta e toca todos os cômodos. Saudades até tenho, de pessoas, lugares. De alguém. Mas agora eu estou sentindo uma nostalgia plena de um jogo. Um jogo de playstation I. Não lembrava de seu nome. Me veem imagens de samurais, à noite, lâminas, nenhuma barra life, apenas uma espada na hora certa, e a morte ainda mais certa. Se o golpe pegasse no braço, ele só iria usar o outro, nas pernas, ele lutaria ajoelhado, se arrastando. Um golpe na cabeça, ou no coração, fatal.

A morte era insistente, e até convidativa. Era fácil, indolor, e bela. Morria-se como quem respira.
A dialética letal era tensa, e lânguida. As espadas, e seu poder destrutivo, penetrante, invasivo, sensual.
Cortavam a carne, geravam ruídos, gemidos, dor, e claro, prazer. Meu prazer.
Flores de cerejeira, neve, ou florestas de bambu. Um rio.
Uma criança de 10 anos não entende aquilo. Apenas faz o que gosta, e segue seu prazer inconsciente e quase inocente.
Eu agora, jogando de novo com olhos maduros, pude entender o quê fazia com que minha memória retornasse sempre àquelas vagas memórias enevoadas.
Games estão presentes na minha vida desde os 4 anos de idade. Inúmeros, e me lembro de todos eles.
Mas nenhum me perturbava tanto à noite quando Bushido Blade II. Mexia com minha memória, meu tesão, meu senso estético.

Uma cena em particular, me travou a psiquê.
Depois do último chefe, um shogun poderosíssimo, havia alguém num quarto escondido no castelo.
Alguém de branco. Uma mulher, provavelmente.
Meu objetivo era matá-la. Posicionada, ajoelhada, humilhada, resignada, ela se encontrava para ser morta.
Eu era o carrasco. Aos 8, eu não sabia o que estava acontecendo, e sem entender o que estava acontecendo, a matei.

Fiquei horrorizado. Como eu poderia matar uma mulher indefesa? Que objetivo era esse?
Essa cena me assombrou de uma forma excitante e sombria por muito tempo.
Se misturava com outras cenas de Harakiri, onde você apertava Select e o inimigo lhe matava, de forma cerimonial.
Um cordeiro hebreu pra ser sacrificado.

Hoje, eu joguei de novo, cheguei nessa cena, e tentei me sacrificar também, para ela, me ajoelhar do lado da senhora do castelo, e ser morto com ela, ou tentar ser complacente, pois essa tinha sido uma possibilidade que a minha infância teria imaginado, mas não realizado, gerando frustração e remorso, de um ato hipotético e irreal, mas mesmo assim, extremamente poderoso pra mim.

Não pude me ajoelhar. Nenhum guerreiro vassalo chegou para defendê-la e me executar. Ela estava ajoelhada, esperando, e eu não conseguia me ajoelhar. A única coisa que eu encontrava era o tempo, o cordeiro, o carrasco, e a iminência do sangue, e seu cheiro metálico no metal.
Nada pude fazer, a não ser matá-la.

Me aliviei de não ter tido feito a escolha errada 12 anos atrás. Ou pior, não saber todas as possibilidades.
Me conformei com a morte.
Vi o sexo em sua contraposição e justa-posição.
E clareei memórias enevoadas e apetites sombrios de uma mente puramente freudiana e infantil.
Hoje, estou mais leve, mais confesso, e menos culpado.
Mais vivo, ironicamente, por melhor entender a morte.

2 comentários:

  1. muito bom.
    "Me conformei com a morte.
    Vi o sexo em sua contraposição e justa-posição.
    E clareei memórias enevoadas e apetites sombrios de uma mente puramente freudiana e infantil."

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  2. Excelente!
    Fiquei pensando... quando a vida já tem seu curso traçado, de que vale a angústia?

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