quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Óleo de Baleia

Óleo de Baleia

São os gritos entre as paredes que tecem a noite,
Construindo muralhas de medo com tijolos de
Dor, pesadelos, violência, sangue e silêncio.
Na casa não se escuta um pio.
Apenas a coruja pia, piando pianíssima na pia,
Em gotas.
Igual ao temor,
Que goteja traços do que se ignora à noite.
Luizinho, tão moço,
Perverteu-se no escuro.
Seus sonhos foram rasgados pelas trevas.
Hoje choramos no seu caixãozinho caiado.
As goiabas terão seu gosto doce.
Morreu à noite, no tear da nossa invigilância,
O penico é insuficiente para um menino curioso.
Maria foi raptada pelas sombras.
Moça tão boa.
O feijão dela tava ficando gostoso,
E agora as telhas velhas nessa dessa Casa terão o
Eco dos seus gritos, tão difíceis de esquecer.
Estão no céu, com Deus Nosso Senhor,
Luizinho e Maria.
A alma tem a mesma cor.
Nossa Senhora não sabe distinguir os cachos.
O Demônio está à solta,
Vaza pelas paredes desta casa, eu sei.
Escuto seus passos,
Posso senti-lo ofegante, cálido, ansioso.
Sente-se o cheiro de gesso e sangue entre suas unhas.
Dona Conceição quanto mais reza cruel fica,
Vive falando com os santos, mas parece
Que só o Diabo escuta.
Mulher ruim de olhar seco.
Toda vez que me chama "Oh, Zabelê!" Me gelo toda.
Faço de tudo para não dar de cara com ela nos corredores.
Já Seu Guimarães é quem me procura...
Tenho mais medo dele do que o Satanás que percorre essas paredes.
Minha rede já tem o cheiro dele e de agonia.
Só de pensar engulho..
As garras do monstro emparedado devem parecer renda comparada as Dele.
Dona Clarinha era quem eu amava. Moça tão linda.
20 anos que converso com ela em cartas de banzo.
Parece que o Lume da Casa apagou.
Uns dizem que ela foi pra Europa.
Eu queria acreditar, mas eu sei o que teve de verdade,
Não consigo mais fingir não saber.
O seu destino até hoje me dói.
Vida de moça negra parece cama de espinho, num é?
E as rosas alvas é que bebem essa nossa Sangria rançosa.
A Sangria de Zélia também, a tantos anos,
A sopa dela parece um sarapatel de galinha velha.
A coitada ficou louca,
Parece que virou mãe depois de velha.
Fica conversando sozinha de noite.
Todo mundo tá morrendo.
Desde que o caboclo Zilmar foi pro tronco,
E depois pro Formigueiro,
Seu Guimarães e Sinhá Conceição não tiveram pena.
Sua filha com um Caboclo? Era melhor morrer numa tocaia.
Essa casa não teve mais paz.
Demorou 3 dias pra Jesus ter pena e levá-lo.
Clarinha já foi-se embora logo depois.
Dá até pra sentir o Demônio fungando aqui.
As sombras das velas dançam até desenhar uma cruz no teto.
Me lembram que toda luz traz dor.
E que todo mundo é um pouco Jesus nisso.
Tanta saudade de Clarinha.
Tá todo mundo morrendo.
Deus tá castigando a ruindade do homem.
O que é isso? Que barulho é esse? Saia daí, eu sei onde você tá.
Saia da parede.
Quem é você? Seu Guimarães também? Sinhá?
Clarinha pariu entre as paredes... Meu Deus, tenha piedade.
Úteros e Vasculhantes não fazem parte do teu domínio, Oh Senhor.
Zélia te deu o leite junto com o sangue. Tua Ama sangrenta.
Feijão, Gesso e Vingança de desjejum.
Por favor, tenha piedade, eu não mereço morrer.
Eu juro que eu não conto pra ninguém, me deixa fugir dessa casa assombrada.
Eu não tenho culpa, eu juro.
Não se pode vingar de tudo, senão o mundo era uma facada só.
Deus também é Misericórdia. Num é não?
O Diabo então é Misericórdia.
Rogai por nós que recorremos a vós.
Pelo Sinal da Santa Cruz.
O gesso daqui parece que é demoníaco mesmo.
Argamassa de funerais.
Óleo de Baleia, para ungir.
Que vem de Navio Negreiro.
Viver é temperar uma Cabidela sem nunca mudar o gosto do mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário