sexta-feira, 16 de abril de 2010

A Sereia do Abismo - 3°





A Sereia do Abismo - 3°



Lara aos poucos foi parando de cantar, foi desistindo gota por gota da vida. De que lhe adiantava a voz tão linda, para falar de coisas tão boas na vida, falar do mar, do céu, da cor dos olhos do ser amado. Era, ao seu ver, no mínimo contraditório. Ela parou de tentar imaginar a paisagem na janela de seu quarto, ela desistiu de tentar adivinhar a cor do céu. Ela desistiu das pequenas coisas que ainda mantinham a chama acesa por dentro. E quando o fogo dentro dela se apagou, a única coisa que lhe restou foi o frio, a dor, e a escuridão. Sempre ela, nunca a esquecia. Se resolveu. Ia terminar aonde tudo começou, num regênese aquático.


Tateou o armário do quarto dos pais, apanhando todos os remédios tarja preta, ou não, do pai alcóolatra, e da mãe ansiosa, paranóica. Foi tateando seu caminho até o elevador. Estava de biquini, linda, de frente pro espelho que costumava se admirar nos seus dias de vida. Como tinha sido boa a sua vida, e quando assim o era, ela nem ao menos se sentia agradecida.


Foi tateando seu caminho até a piscina. Caiu de joelhos na escadaria. Duas vezes. E a passos curtos para sentir o chão axou a piscina. Ia terminar tudo ali e agora. Pulou na piscina com os remédios na mão. Sentiu-se de novo como uma sereia, e sabia que iria sentir saudades disso. Nadava no mais profundo dos oceanos, sem enxergar nada, nem o mais fino feixe de luz, e com uma encomenda em mãos para entregar para o destino. O mais profundo dos oceanos, era a sua alma, e o breu mais titânico, era a sua tristeza.

Submergiu e nadou até o raso. Abriu as caixas. Tirou os comprimidos, e tomou um por um, ajudando com um gole d´água da própria piscina. Sentiu um pouco de nojo, mas pensou consigo mesma: "O que não mata, engorda."

Foram ao todo 57 comprimidos, e muito cloro. Foi para o fundo da piscina, num mergulho de despedida, passar seus últimos momentos comtemplando a escuridão, que, ironicamente, naquele momento, passou a compreender o seu sentido, e passou a gostar dela. E levou esse segredo para o fundo do oceano de sua alma.

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Ela então despertou desse sono abissal, e fugiu de uma luz em direção a outra. Voltou a superfície, agoniada. O preto completo estava se transformando em azul marinho, e aos poucos o azul ia clariando, e ela começou a ver a água. Piscou, e esfregou os olhos. Ela via o reflexo na cerâmica. O Sol forte lhe machucava os olhos.

Por algum mistério da química e do destino, envolvendo o coquetel de remédios e o cloro da piscina, Lara não só sobreviveu como voltou a enxergar. E a dor que ela sentia da luz do Sol batendo nos seus olhos, tortura portuguesa, foi a maior felicidade que ela já sentiu em toda a sua vida.

E ela passou a enxergar mais do que nunca. Fez letras, iniciou uma carreira promissora como cantora tambem, escreveu livros, namorou muito, com alguns homens, foi feliz, com outros foi mulher. E viveu intensamente cada momento da sua vida, pois ela respeitava e entendia tanto a luz quanto a escuridão. Passou a sua vida tentando ajudar as pessoas que possuem essas mesmas trevas, só que na alma,na esperança de tentar fazer com que eles sentissem pelo menos 1/10 da felicidade que sentiu, depois de tanto tempo sem a luz lhe tocar os olhos. Ela ja conseguiu algumas vezes, ainda hoje ela continua tentando.



Fim.









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