segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Sereia do Abismo





A Sereia Do Abismo


Lara chegou no apartamento cansada, com fome, com sede, com sono, e suada. Veio de ônibus num longo caminho do colégio até em casa. Além de se encontrar nessas condições, seus pais vieram lhe encher de obrigações, determinações, repreensões e até xingamentos. Ela ouviu tudo calada, revoltada. Almoçou o intragável almoço amargo na companhia dos pais, e resolveu sair correndo dali, tomar banho na piscina do prédio, que a muito tempo não usava.

Colocou o biquini, levou uma toalha, e foi sozinha tentar saturar seus males na água com cloro. Como se sentiu bem. Pulou, e se permitiu para ser levada nas profundezas marinhas de sua piscina. A água lhe acariciando a pele, lhe levantando pelos braços até a superfície, e ela com os olhos fechados, só fazia se imaginar ela própria sendo uma sereia a nadar por aquelas águas como se tivesse feito isso a vida toda. e com isso foi lavando suas chagas, suas feridas, e seus remorsos.

Ela era espetacular. Corpo longilíneo, magra, pele clara e cabelos castanhos escuríssimos, quase pretos. E uns olhos... Nossa, que olhos! Tão azuis quanto a própria água da piscina, contrastando essa claridade com a escuridão de seu cabelo. Palavra sombria, escuridão.

Relaxou, e pensou no que ia fazer hoje. Estudar, estudar, estudar. Queria medicina. Era inteligentíssima. Ou será que seus pais queriam tanto que o seu querer se transformou no querer da filha? Seu coração sempre lhe disse para fazer Letras. Era inacreditavelmente sensível. Ou não fazer nada, pois nenhuma faculdade lhe dá a permissão para escrever, e isso ela fazia com maestria. Ela era uma exímia poetisa, e a única coisa que fazia melhor do que escrever era cantar. Na aula de canto seu apelido era Ariel. A voz era sublime, e mais etérea e leve do que o ar. Apaixonava os que ouvissem desavisados seu canto.

Mas então a pressão da vida foi mais forte do que a força de seus sonhos, e ela se lembrou que estava perdendo tempo demais na piscina. Tinha que estudar, seu concorrente estava estudando. O Sol estava brilhando, e o dia estava quente, a piscina tão fria, fresca... Mas ela teve que sair do mundo dos seus sonhos, e abriu os olhos para enxergar de novo o Sol... Mas não havia Sol.

De repente, seu mundo se apagou, e se tornou uma completa escuridão, o breu do fundo do oceano. E ela abria os olhos, mas não fazia diferença, era como se permanecessem fechados, selados. Ela estava cega.

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