terça-feira, 13 de abril de 2010

A Sereia do Abismo - 2°




A Sereia do Abismo - 2° Parte



Lara estava deitada na cama. Sentia o Sol da manhã queimar sua pele. Ela sabia que o Sol tinha acabado de nascer, mas só sabia pelo calor que lhe acariciava a pele, pois seus olhos não enxergavam luz alguma. A Sol que a acariciava agora era a água da piscina na semana passada. O médico lhe disse que a água da piscina foi tratada com cloro demais, e o cloro provavelmente estava contaminado, ou vencido. Provavelmente a loja deu um ótimo desconto para o síndico do prédio, que embolsou a diferença. Provavelmente este sabia dos riscos. Provavelmente o zelador simplesmente esqueceu de colocar a placa de "interditada", mas ele tambem pode ter tido apenas preguiça, e ter achado que ninguem em sã consciência iria pular numa piscina numa tarde de segunda-feira, já que sabia que depois de todo final de semana, a piscina ficava imunda com as festas de arromba que uns jovens davam todo final de semana no prédio, e que deixavam para a semana, de herança, uma piscina em estado de imundice. Talvez Lara tivesse esquecido disso, ou somente não tivesse ligado e acharia que algum cloro não iria lhe fazer mal. Talvez. Quem sabe sobre isso ao certo? Você sabe? Eu não sei.

O fato é que não mais o Sol chegava nos seus olhos. O fato é que ela não tinha mais cura, ou pelo menos isso o médico afirmava. O fato é que ela não podia mais acordar e ver suas lindas flores se balançando na janela embaladas pela brisa marinha, ou o seu orvalho que reservava o reflexo cristalino de todo um mundo de beleza naquela gota d´água. O fato é que ela não podia mais ver o mar, não podia ver sua mãe, seu pai, seu irmão, seus amigos, o seu próprio reflexo no espelho, a piscina...

Sua única companhia agora eram os pássaros que vinham ouvir sua voz. Sim, sua voz. A parte de sua alma que não tinha sequer sofrido um arranhão, tivesse quiçá ficado mais bonita ainda ao ter sido impregnada pela violência do destino e pela tristeza de toda uma vida coberta por sonhos tão lindos, e que foi mutilada, sobrando apenas agora uma vida imcompleta, uma vida que lhe reservava mais amargura do que qualquer outra coisa, ou outro sabor.

Ela cantava para afastar a dor, falando exatamente da dor. ela invocava as notas em um mantra de tristeza, que fazia chorar qualquer um que passasse por perto ou ouvisse atentamente seu canto. Os sabiás e bem-te-vis se aproximavam, parando de cantar. Parecia que eles sentiam a tristeza dela, e a entendiam. Pareciam que eles estavam reaprendendo a cantar com ela. Aquele quarto tão bem iluminado, aquelas flores, os passarinhos, o sol maravilhoso que inundava o quarto de beleza e luz. E a única coisa que ela podia ver era a escurdião.

A escuridão que ela via era a sombra dos sonhos que se acabaram, ela não iria mais ser médica, nem poetiza, nem nada. Só lhe restava nesse momento cantar, e se agarrar a sua voz como se fosse a unica coisa que ainda a mantesse viva por dentro, ainda que esse fio fosse tão tênue e fino quanto o fio de seu cabelo, cuja cor seria a única que ela iria enxergar para o resto da sua vida.

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